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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Carta de Moçambique: "Não queiram ser padres com o objetivo de ficar acomodados numa paróquia"



Fonte: pom.org.br
Por Assessoria de Imprensa   
05 / Jun / 2014 08:42
Em Moçambique há três meses, padre Dilton Maria Pinto surge como exemplo de padre diocesano disponível para viver a missão nas periferias do mundo. O presbítero pertence à diocese de Guanhães (MG), porém partiu para a África pelo Projeto Além-Fronteiras entre o Regional Nordeste V (Maranhão) e a diocese de Lichinga, que desde 1998, vem enviando missionários brasileiros para Moçambique.
Ainda no período de formação padre Dilton já fazia parte do Conselho Missionário de Seminaristas (Comise). Depois da ordenação seguiu animando e coordenando o Conselho Missionário Diocesano e Regional. Incentivou os grupos de Infância, Adolescência e Juventude Missionária e esteve à frente do 1º Encontro de Formação Missionária para Seminaristas (Formise) no Regional Leste 2 da CNBB. Agora desde Moçambique permanece sintonizado com sua igreja local que o enviou em Missão. Por ocasião do 4º Formise do Regional Leste 2 realizado em Belo Horizonte entre os dias 30 de maio a 1º de junho, padre Dilton escreveu uma mensagem aos seminaristas. “Não pensem e nem queiram ser padres com o objetivo de ficar acomodados numa paróquia, recluso numa casa paroquial, mas tenham a coragem de ser padres para estarem junto do povo sobretudo daqueles marginalizados que sofrem todo o tipo de discriminação. É lá onde os ‘grandes’ não vão que nós padres precisamos ser presença constante. Exemplos não nos faltam na própria Palavra de Deus”, diz um trecho da carta.
Confira a íntegra da Mensagem.
“Não ter medo de assumir o mandato de Jesus”
Meus queridos irmãos seminaristas. Muito me alegro aqui na África em saber que pelo 4º ano consecutivo o nosso Regional Leste 2 proporciona aos seminaristas a oportunidade de aprofundar a reflexão ao chamado e sobretudo ao chamado a uma vida inteiramente missionária.
Como nos diz o papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium devemos ter e ser uma Igreja “em saída” que vai ao encontro, que chegue às periferias e que não se preocupe apenas em querer ser uma Igreja de “Centro”.
Vocês são chamados ao sacerdócio ministerial, mas antes já fazem parte de um sacerdócio comum, o sacerdócio real de Cristo do qual todas as pessoas fazem parte. Ao serem chamados a exercer o sacerdócio ministerial, penso que não é um privilégio, mas um Dom, Graça de Deus que nos chama para nos colocarmos como servidores do Evangelho a vivê-lo e anunciá-lo até os confins da terra.
É preciso meus queridos seminaristas que aprendamos a olhar para além do nosso umbigo, além das janelas de nossas casas, dos muros ou cercas de nossos quintais, olhar além de nossas cidades, de nosso Estado e de nosso País. Não ter medo de assumir o mandato de Jesus: “Vão e façam com que todos se tornem meus discípulos”… (Mt 28, 18-20).
Não pensem e nem queiram ser padres com o objetivo de ficar acomodados numa paróquia, recluso numa casa paroquial, mas tenham a coragem de ser padres para estarem junto do povo sobretudo daqueles marginalizados que sofrem todo o tipo de discriminação.
É lá onde os “grandes” não vão que nós padres precisamos ser presença constante. Exemplos não nos faltam na própria Palavra de Deus. Deus quando quis servir-se da humanidade para colaborar na gestação de um mundo novo foi nas periferias de Jerusalém e chamou Maria pra ser a Mãe do Salvador. Jesus saiu a chamar pescadores e cobradores de impostos para estarem com ele na missão. Quando dos rejeitados pela sociedade, Jesus se aproximava, tocava-os e os acolhia gerando, inclusive, mal estar nos “grandes” daquele tempo.
Assim, eu digo a vocês, não tenham medo da missão, não tenham medo de ser padre a serviço dos irmãos. Há quase 3 meses aqui em Moçambique, na África, confesso a vocês que há mais tempo que eu tivesse me desinstalado para estar aqui com esse povo. Acredito também que o tempo não é meu mas o tempo é de Deus. Aqui estou vivendo, de fato, o meu ser missionário junto a um povo que sofre todo o tipo de exploração. Às vezes sinto-me impotente diante de tanta miséria, tanto sofrimento dessa gente. Por outro lado, alegro-me por sentir a presença de Deus na vida desse povo que se alegra ao celebrar a Eucaristia, que partilha do pouco que se tem, exemplo de solidariedade que muito nos ensina. Percebo aqui, que temos uma Igreja realmente ministerial, onde a Palavra de Deus vai se difundindo mesmo com a ausência de um Ministro ordenado. É ou não é Ação do Espírito Santo?
Concluindo, gostaria de deixar aqui mais uma fala do Papa Francisco da Evangelii Gaudium, nº 49.
Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que nos acolha, sem um horizonte de sentido e de vida.
Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37).
Que o Espírito Santo de Deus renove em cada um de vocês o Ardor Missionário!
Pe. Dilton Pinto, presbítero da diocese de Guanhães (MG), missionário na diocese de Lichinga, norte de Moçambique- África.

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